A fúria de um professor captada pelo olhar de Jéferson Alves
"O Professor" foi a leitura de fevereiro do Clube de Leitura Escuro Medo
“O Professor” é um livro curto, lê-se de um só fôlego. De saída nos deparamos com o mau humor, o ressentimento e tantas outras emoções ruins que acompanham um homem revoltado contra o mundo que o cerca.
Conversei com Jéferson Alves sobre inspirações e a visão amarga de mundo que o personagem possui.
O Professor, Editora O Grifo (2021)
I.B.: Teu personagem é um revoltado que acaba direcionando seus impulsos contra o que considera mais desprezível na sociedade. As motivações são catárticas mas tudo acaba passando dos limites, deixando, no leitor, um retrogosto bem ruim. Você acredita que esse olhar pessimista sobre as relações é um sintoma dos tempos que vivemos?
J.A.: Bom, primeiro eu tenho de dizer que esse retrogosto acontece porque não temos tanta certeza do que é certo e do que é errado. A personagem segue quase à risca uma das imposições mais atuais da sociedade: você precisa ser feliz ou ao menos buscar a felicidade. E tem de pensar primeiro em si mesmo, depois nos outros para que isso aconteça. Sinto que O Professor segura o otimismo irrefletido dessas “dicas do bem viver” contemporâneas e o coloca exposto em uma vitrine. Isso gera desconforto porque “ser feliz” e “pensar em si mesmo” são duas coisas que dificilmente são colocadas em cheque. Então, não vejo um olhar pessimista sobre as relações. Vejo pessoas otimistas com algo que, em suma, é o que leva a relações ruins. Porque se relacionar é “pensar no outro” antes de si, esperando que o outro faça o mesmo, e “buscar a felicidade” como objetivo de vida não é saudável. Penso num equilíbrio de emoções e no aprender a curtir cada uma como a possibilidade de viver bem. E O Professor não faz isso: ele segue o conselho do “pense em si”, “seja você mesmo” e “seja feliz” ao pé da letra.
I.B.: E quais foram tuas influências para desenvolver o personagem?
J.A.: Eu não sei dizer ao certo, de verdade. Eu não costumo pegar filmes, olhar vídeos/séries, ou buscar em livros referências para escrever. Ao menos, não fiz isso nos dois primeiros livros (Devaneios e O Professor). Mas, pensando nos livros e/ou autoras/es que sempre me acompanham no que escrevo, poderia citar Drácula (talvez o que mais me marcou na literatura), Frankenstein e Arthur Schopenhauer (é, sem sombra de dúvidas, o autor que mais me marcou na filosofia). Escuto muita música eletrônica no processo de escrita. Demorei a me dar conta dessas influências que tenho porque normalmente pensamos coisas que são "ligadas diretamente" ao trabalho que estamos desenvolvendo. Mas a música eletrônica sempre me acompanhou. Além disso, Man In The Mirror, do Michael Jackson, é a música que me deu a ideia d'O Professor "olhar no espelho" e "mudar as coisas". Acho essa uma curiosidade interessante de citar.
I.B.: Imagino que suas pós-graduações em Psicanálise a Antropologia Social sirvam como inspirações para situações e personagens. De que forma você acredita que possamos criar personagens complexos o suficiente sem cair na armadilha de escrever uma ficção com o objetivo de ensinar aos leitores boas maneiras e boas atitudes? Melhor explicando: como lidar com um suposto bom mocismo que observamos em alguns casos da ficção contemporânea?
J.A.: tenho tido a sensação, nos últimos livros que venho trabalhando, de que não há fuga de uma boa história. Porque ela vai seguir o rumo que tem de seguir, num amálgama de escritor, história e contexto. Esse suposto bom mocismo aparece porque os temas trabalhados em alguns livros são temas sensíveis ao contemporâneo. Livros que falam de racismo, de capacitismo, de feminismo, de lutas importantes da nossa sociedade. Antropologia Social e Psicanálise têm me mostrado, juntas, que no dia a dia, no cotidiano, essas lutas se apresentam das maneiras mais sutis e/ou violentas que se possa imaginar. Assim, sinto que se o bom mocismo aparece, é porque as leituras, as vivências, as experiências daquela/e autora/e levam a história por esse caminho. Tentar evitar algo em uma história que estamos escrevendo é um caminho perigoso, porque pode construir algo que não seja uma boa história ou que essa história, ainda que boa, não bem contada. Talvez o sucesso desses livros seja justamente a busca por uma ponta de esperança naquilo que falei à pergunta anterior: uma busca por "felicidade" e o "pensar em si mesmo" antes de mais nada. Porque, no fim, quem é mais bom moço do que a gente mesmo, não é?
Jéferson Alves
Sobre o autor: Jéferson Alves é pessoa deficiente autoproclamado, escritor, especializando em Psicanálise e doutorando em Antropologia Social pela UFRGS. É autor de “Devaneios cotidianos de um claudicante” (2017) e “O Professor” (O Grifo, 2021). "Perséfone" (O Grifo), seu terceiro livro está em campanha no Catarse e será sua primeira incursão no gênero fantástico.