A noite do cordeiro
Um pouquinho de nosso primeiro encontro híbrido e uma abinha a mais sobre o caótico processo da escrita
Para ouvir ao lavar a louça:
Uma palavrinha sobre o encontro híbrido
Era um sonho meu, nosso. O Clube de Leitura Escuro Medo começou suas atividades durante a Pandemia. Eu, bem tendenciosa, buscando ler mais horror e conhecer mais gente brasileira que se aventura no gênero. Iniciamos em dezembro de 2020 com 25 participantes. O primeiro encontro, entretanto, só rolou em junho de 2021. Demoramos a escolher a melhor forma de debate. Optamos por reuniões mensais, no último sábado de cada mês, às cinco da tarde, via Zoom. Em poucos meses, o Clube estava grandão, cheio de gente legal, produtiva. O sonho do encontro híbrido foi crescendo e, quando chegou a vez de ler A noite do cordeiro, pensei: é agora.
Daniel Gruber
A noite do cordeiro é o quarto livro do autor Daniel Gruber, segundo romance com a temática folk horror. A narrativa se passa no Brasil colonial do século XVII, e a ideia nasceu mais direcionada para um romance histórico. Gruber tem certo fascínio por histórias de bruxarias, bem como pela ação repressora da Igreja. O resultado da pesquisa minuciosa está nas páginas de um romance que traz não só horror, como personagens cativantes (Awa, a adolescente roubada da África e escravizada, cheia de ímpetos revoltosos), intrigantes (Mariana, a adolescente embruxada após declarar amor a um rapaz) e dúbios (Vicente, o padre jesuíta que perdeu a fé – e parte de sua moral). Nada mais eu direi para não estragar a experiência, só quero indicar com muita ênfase essa obra primorosa de Daniel Gruber.
Voltando ao encontro híbrido, contamos o apoio super especial da Loremasters e do Mondo Cane Bar (nossa casa oficial). Teve percalços, óbvio. Esquecemos de providenciar caixas de som, eu ouvia o público on-line com o fone num ouvido e interagia com o público presente no gogó. Em alguns momentos, a gente se enrolou um pouco (estou me adaptando a essa vida de apresentadora de programa matinal — risos). Mesmo assim foi esclarecedor, divertido. E o chopp do bar estava ótimo. A gravação do encontro está prontinha, você pode ouvir aqui. E ela é bem mais de ouvir do que de assistir. Anotando no caderninho que preciso aprender os paranauês dos vídeos bonitões.
A noite do cordeiro (Ed. O Grifo)
Uma abinha a mais
Eu queria escrever sobre minha paixão sobre Basquiat. Também queria falar das mulheres surrealistas. E precisava terminar a orelha para um livro de contos (o excelente As madrinhas do pôr do sol, de João Matias). A trilogia de Nova York, entretanto, me olhava de soslaio. E eu nunca tinha lido Paul Auster (uma falha, eu sei). Na metade da releitura dos contos de Matias, levantei-me. Fui ao sofá com Quinn. Horas se passaram. Quando levantei era uma escritora solitária perambulando nas ruas de uma Nova York que nunca conhecerei, mas conhecia os cheiros. O bonito e desesperado da escrita é isso: o movimento. Se encadeia mais ou menos como encadeamos os pensamentos. E no meio de tudo isso, teve um sonho com Donald Trump agarrado à minha mão, perambulando (flanando?) pelas ruas de Porto Alegre (o centro mais popularzão) e me levando ao melhor banco para investimentos, um tal Banco Público, com o cartão verde, da cor do palmeiras. Esse sonho, sim, eu acho que sei de onde veio. Veio do mesmo lugar que me fez pensar nas surrealistas: o livro Pandora de Ana Paula Pacheco. Sou bem ruim em classificações, mas tenho certeza de que a prosa de Ana Paula se achega pertinho do surrealismo. Além disso, tem a parte do touro, que ataca de baixo para cima, e do urso, que ataca de cima para baixo. Tudo a ver com Trump, o grande investidor.
Eu sei de onde veio a ideia de Basquiat. De alguma associação que fiz de um texto com a arte nas ruas, livres. Antes dele, ninguém considerava o grafite como arte.
Acho que um pouco, ou muito, da criação artística se dá assim: por caminhos bem tortuosos que ninguém segura. E o legal é não segurar mesmo. Tem coisas que não necessitam explicação, nem mesmo para o criador.
No final da jornada criativa, eu lia um encontro em que Auster elogiava Budapeste num papo com Chico Buarque e, caramba, eu preciso terminar de escrever a minha fala e treinar, treinar muito, meu inglês está super enferrujado.
Algumas vezes eu queria não ser tão apaixonada por literatura.
E o texto da orelha? Enviei ontem.
Tem mais: A última newsletter da Mariana Brecht me fez lembrar algo que o escritor e professor Luiz Augusto Fischer (UFRGS) perguntou, certa vez, durante a aula: “vocês já pensaram que os leitores do futuro vão se perguntar por que as narrativas do início do milênio não questionam o uso do petróleo? ou o lixo que espalhamos pelos oceanos?” A terra tá esquentando e a gente aqui: se esquecendo, traz uma preocupação que também é minha: como abordar a crise climática em nossas narrativas? E como fazer isso sem soar superficial? Ela traz respostas interessantes. Vale a pena conferir.
E tem mais: ainda sobre os caminhos da criação, mas um pouco além. Do momento em que criador acha que precisa explicar melhor a criatura, indico essa coluna do Rodrigo Casarin. Tendo a concordar com o que Casarin diz, há uma tendência desnecessária de guiar o leitor, o que muitas vezes estraga a experiência. Quando pego um livro, costumo desprezar prefácios, posfácios, epígrafes, e me concentrar no texto. Porém, no caso de Benjamin Labatut, confesso que o posfácio me lançou a um degrau a mais antes do salto (nos questionamentos após a leitura).
E mais: dois Escuromeders finalistas do Prêmio ABERST. Parabéns Daniel Freitas (conto Da Barra Funda a Bela Vista) e Dayane Celestino (conto Vidas de vidro).
O que vem por aí: Patrícia Tenório, professora da escola Estudos em Escrita Criativa, é uma pernambucana que leva a criação literária no peito. Faz muito para divulgar a produção nacional. Estaremos, num grupo de oito pesquisadores, na Feira do Livro de Frankfurt, em outubro de 2023. Falaremos de nossos objetos de pesquisa e do atual momento da Escrita Criativa brasileira. Nossas falas estão agendadas para o dia 20/10, no Hall 5.0 – Sala Exchange (Stand B 158), das 14hs às 17hs.
O que estou lendo: finalizei a leitura de Menina em Claro, romance da autora Rafaela Degani (Ed Patuá) e devo voltar ao Auster ainda hoje. Ah, e tem os contos do Frederico Toscano. O rinoceronte na parede eu tô mais devagar, saboreando.
Valeu pela lembrança, Irka :)
Obrigada pela menção, Irka! Adorei as referências que povoam seu texto, feliz em estar no meio delas!