Larissa Prado, a leitura de setembro do Clube
Três perguntas para Larissa Prado. E uma abinha a mais sobre letras de música no texto literário
Para ouvir lavando louça (ou dirigindo)
I.B. O receptáculo é uma obra que traz uma protagonista em estado de tensão constante. As dores, as dúvidas e os terrores dessa mulher nos interessam e nos impactam. Tudo que a rodeia é opressivo: o ambiente, os vizinhos, o comportamento das pessoas e, claro, o companheiro que passa o tempo todo prometendo uma chegada que nunca acontece. Quais foram as dificuldades para criar uma personagem nesse estado constante de tensão?
L.P. Construir a Rebeca e a atmosfera em volta dela foi um tipo de situação na qual mergulhei fundo com pouco oxigênio. Essa empreitada foi difícil. Por diversas vezes, parei de escrever, retomei a história depois de longos períodos. Porque precisava sair da mente dessa personagem. Uma das maiores dificuldades foi alcançar um lugar no qual, pessoalmente, nunca estive. A figura de Rebeca, como amante de um homem poderoso e mãe solteira, representa uma mulher condenada em todos os sentidos que não tem lugar seguro no mundo. Revisitei experiências de outras mulheres, me infiltrei na pele delas para tentar trazer a maior verdade possível para a personagem. Foi uma experiência pesada e que no fim, a dificuldade inicial na construção da personagem serviu para direcionar para o final almejado que foi a subversão da vítima em algoz.
Larissa Prado, underground
I.B. Quais as expressões artísticas que mais impactam a tua produção? (pode ser música, teatro, literatura, arte visual, etc)
L.P. O cinema e a arte visual são expressões artísticas que mais me impactam porque foi através delas que comecei a estruturar histórias ficcionais na literatura. Em especial o cinema. Quando estruturo uma narrativa tento desenhar na tela da mente cada detalhe das cenas e assim, quando consigo enxergar a história como um filme ou uma pintura, é que de fato começo a escrever. As histórias para mim precisam ter movimento.
I.B. Já conversamos algumas vezes sobre nosso interesse por artistas underground. Concordamos que o manistream descaracteriza essa forma de expressão. Haveria um jeito, uma fórmula, ou você acredita que ceder aos apelos comerciais inevitavelmente acaba com a maneira mais rebelde (ou indomável) de expressão?
L.P. Infelizmente, eu acredito que ceder aos apelos comerciais neutraliza o fogo da expressão genuinamente rebelde. Quando pensamos em produtos comerciais temos um planejamento para produzir algo que venda o máximo possível. Esse planejamento muitas vezes exige que adequemos nossa criação ao que está em alta no mercado. Não consigo visualizar uma forma de aliar a produção livre, usando apenas a paixão da revolta, ao que o mercado exige.
O receptáculo (Ed. Draco, 2021) pode ser adquirido com desconto ao inserir o cupom Enclausurada
Uma abinha a mais
Uma coisa que me intriga é a ligação tão próxima entre ouvintes de heavy metal e apreciadores de horror. Alguns autores, inclusive, ostentam fotografias com suas cabeleiras bate-cabeça da adolescência. Isso faz com que eu me sinta uma intrusa no meio. Até porque estou mais para uma senhorinha que curte 14 Bis. Claro, eu curto um ou outro metal, músicas de maior sucesso. (Desculpa o sincericídio, povo do horror. Não me rejeitem, eu juro que sou legal).
Sempre achei que o povo da música manda muito bem no texto literário. O som, o ritmo, a manha de compor frases com sonoridade. De novo, sou intrusa. Fiz aula de violino por seis meses. Uma ilusão bem boba me dizia que eu tinha um talento escondido lá no fundo de meu ser. Nasci canhota e, durante a alfabetização, fui transformada em destra. Passei a acreditar que uma veia criativa que me pertencia foi cortada na primeira série. Tocar violino reconectaria esse laço. Imaginava um neurônio se remielinizando e eu, eletrizada por um choque, tocando Mozart de ouvido.
Certo dia, notei o professor me analisando. Após um suspiro, ele disse “teu colega, ali, tá se divertindo. Você não. Você tá sofrendo”.
Comecei a pensar essa abinha, na verdade, porque queria falar de como as músicas são utilizadas nos livros. E confessar que implico com letras de músicas inseridas dentro do texto literário. Se for letras em inglês, então, piora. Acho que retira a atenção do texto, e me joga lá longe, em outro universo, o musical.
Existem exceções, claro. Casos em que referências de músicas funcionam. Cito dois exemplos de livros recentes. O primeiro é Marrom e amarelo (Ed. Alfaguara), do Paulo Scott. Eu não canso de indicar esse livro que, além do tema que aborda, super atual, possui uma estrutura muito bem pensada. Scott o desenvolveu obedecendo a uma técnica finíssima, alguns aspectos eu desvendei somente após ouvi-lo falar sobre a criação. Bom, em Marrom e amarelo há uma cena que referencia o lançamento da música Let’s dance, de David Bowie. Essa cena faz com que a gente leia cantando o pequeno trecho da canção colado ao texto. O segundo livro é Mil placebos, de Matheus Borges. Eyeball Kid está apaixonado por Jessica, uma garota que ele conhece em fóruns virtuais. Lá adiante, preso a uma espiral de lembranças, ele referencia Mercy Street, de Peter Gabriel. É outro exemplo de boa condução narrativa. Na nossa mente, a música começa a tocar na mesma hora, junto com alguns questionamentos sobre a figura por trás do avatar de Jessica.
Na real, eu disse à Larissa Prado que falaria do Depeche Mode. Nós duas amamos a banda que promete vir ao Brasil ano que vem. E Larissa tem essa vibe underground tão forte que me agrada demais. Não deu, fugi completamente do tema. Mas acabei visitando outras bandas que hoje podem ser consideradas undergroung. A música, assim como o texto literário, fazem isso com a gente: pegam pela mão e carregam até outras paragens.
Conversei, ontem, com o ótimo perfil BookNautas. Nos stories com o convite para o papo, tocava Alive do Pearl Jam. Matutei, como esses caras sabem que sou grunge? Bom, talvez minha geração inteira seja. O papo foi muito bacana, todo mundo estava leve, nem vimos o tempo passar. Não chegamos a falar de música, mas a banda escolhida ficou martelando. Por isso, Larissa, aqui vai um vídeo que me faz ter certeza que Pearl Jam, hoje, é underground. The vocalyst, especialista em técnica vocal, apresenta seu react ao ouvir Black pela primeira vez. (E olha que ela vai na versão acústica que, em mim, bate menos que a versão original). Vou colar, aqui, o primeiro comentário do vídeo, porque concordo total: “I was so deeply entrenched in the 90s. It is still completely unbelievable to me, that there are adults walking among us who have never heard of Pearl Jam”.
Mais um presentinho que o YouTube me entrega, Leo Richter analisando Tempo Perdido (perfeição de letra e música, um hino — e sim, antes que algum Legião Urbana hater venha me xingar, assumo que falo com toda a emoção de uma fã).
Aproveito para perguntar: e você? Gosta de música no meio do texto literário ou não tolera? Lembra de algum outro exemplo bem sucedido? Conta aí nos comentários.
Tem mais alguns livros que falam de música ou da vida de cantores/cantoras: Controle (Ed. Cia das Letras), da Natália Borges Polesso se estrutura nas letras do New Order (ô banda que amo); Love will tear us apart (Ed Uboro Lopes), de Fábio Fernandes é um relato dos últimos dias de Ian Curtis e traz um pouco da história do Joy Division (ô banda que amo, parte II); Este é o mar (Ed Intrínseca), de Mariana Enriquez pisa fundo na fantasia ao mostrar um grupo de Luminosas, algo mais ou menos como fadas, que acompanham a vida louca das lendas do rock, ora protegendo-as, ora colocando-as em perigo.
E tem mais O que pesa no norte, romance de Tiago Germano, semifinalista do Prêmio Oceanos. Parabéns, Tiago, a torcida é para você.
E mais sábado, dia 23, tem a Fantástica Feira de Livros e Quadrinhos, das 14hs às 20hs, no Café la Cabane. Às 17hs eu converso com Duda Falcão e Tali Grass.
O que vem por aí Coletânea de contos Quebra-ventres (Ed. Peripécia), organizada pelas autoras Ana Cecília Romeu e Helena Terra. O lançamento será dia 30/9 a partir das 15hs no Café do MARGS.
O que estou lendo mês cheio de leituras. Leio Harmada, de João Gilberto Noll, Bufo & Spallanzani, de Ruben Fonseca e Mariconas (no original, em preparação para a pré-venda), de Euler Lopes. Releitura de O receptáculo para o encontro do Clube (30/9 às 17 horas, via Elos).
Amei essa news com a Larissa Prado! Uma delícia ouvir vocês duas 👏🏻👏🏻👏🏻 eu gosto de música nos textos literários, criam uma ambiência e ajuda a mostrar o gosto dos personagens e o “espírito do tempo” da narrativa”. Parabéns, Larissa e Irka ♥️♥️
Legião 🤍