Mandíbula, de Mónica Ojeda
Preparadas, preparados, preparades? Eu fui até a Mandíbula sem estar preparada, e o livro me deu encontrões, mordidas, socos. Foi uma surra.
Comecei a ler “Mandíbula” sem a menor ideia do mundo ficcional que me seria apresentado. Foi a melhor decisão que pude ter.
Duas ou três autoras que haviam finalizado a leitura me advertiram “é um livro perturbador”. Eu pensava, sim, sim, imagino que seja. Bem, vamos lá, sou acostumada com ficção perturbadora, nada me derruba tão fácil.
Eu estava errada, as questões que Mandíbula traz são tão originais (no sentido em que são exploradas dentro do universo da escrita) e tão bem trabalhadas (com muitas estrelinhas para a habilidade da autora) que o impacto me toma até hoje, dia vinte, quando publico a newsletter.
Em Mandíbula, Mónica Ojeda traz a selvageria que é viver a adolescência
Como escrever sobre o livro sem dar spoilers?, a questão me ocupou por muitos dias.
“Mandíbula” é o livro de maio do Clube de Leitura Escuro Medo, e é claro que eu já finalizei a leitura, tanto porque a história nos torna reféns (não querermos largar), quanto porque falei sobre o livro, a convite da autora Julia Dantas, nos encontros sobre Livros do Andes do programa PUC-RS Cultura.
Os encontros encerram na próxima quinta com o debate sobre “Eisejuaz” de Sara Gallardo com a presença da professora Liliam Ramos.
E o encontro do nosso Clube será dia 27/5 a partir das 17 horas, via Elos. Os encontros são gravados e disponibilizados no canal Irka Barrios (YouTube).
Mónica Ojeda, autora equatoriana
Convites feitos, vamos a alguns pontos sobre o livro.
O capítulo inicial nos joga numa situação bastante tensa, Fernanda acorda amarrada a um pé de mesa numa cabana no meio do mato. Sua raptora, logo se descobre, é Clara, professora de literatura da escola. Clara está furiosa e pretende castigar Fernanda por algo muito horrível que ela fez.
No capítulo seguinte um grupo de garotas se encontra numa construção abandonada. Ali é seu refúgio, seu espaço para autoconhecimento e experimentações que servem como ritos de passagem.
A seguir, a história pessoal de Clara, uma mulher que vive em conflito com a figura da mãe, oscilando atitudes de espelhamento e rejeição.
O quarto capítulo traz a conversa em que Fernanda fala e seu terapeuta escuta.
Chamamos essa técnica narrativa de polifônica, e ela tem a vantagem de apresentar diversos narradores, trazendo seus pontos de vista. O grande lance, escolha inteligente da autora, é nos jogar numa espiral de dúvidas em que não sabemos qual personagem deveríamos defender, já que somos apresentadas às dores de cada uma. Há, entretanto, uma questão que se repete: os ruídos de comunicação e o amor meio tempestuoso entre mães e filhas. Fernanda se sente rejeitada, acredita que a mãe tem medo dela, Annelise tem a mãe ausente, Clara sofreu por anos com as autoridades de uma mãe presente até demais. Os desdobramentos das personalidades se originam a partir desses relacionamentos confusos.
Estrogênio rules
O mundo ficcional que Ojeda cria é feminino (peço desculpas às mulheres que rejeitam o termo. Eu gosto dele).
O livro inteiro se passa no microcosmo de relações entre as seis amigas (Fernanda e Annelise são as líderes, Fiorella, Natalia, Ximena e Analía as seguidoras) e, bem, não se trata de um mundo delicado. Em seu refúgio, a construção abandonada, outra metáfora para pessoas com o corpo e o caráter em desenvolvimento, os ritos de passagem incluem violência física e verbal, com situações que beiram a selvageria.
Trata-se de uma nova abordagem, agressiva e original. Já me desculpando pela autorreferência, não posso deixar de citar as questões de “Lauren”, meu romance de estreia. A personagem central sente as mudanças de seu corpo, sua mente, seus sentimentos e vontades. Mas é uma descoberta solitária e, por isso, triste.
Ojeda ousa bem mais, traz uma investigação que vai a fundo nos fantasmas que rondam a sexualidade da adolescente, sem deixar de lado culpas, vergonhas, desejos e as vergonhas dos desejos. O diferente, entretanto, é que as personagens de “Mandíbula” são indomáveis. Assemelham-se aos personagens masculinos do conto número 6 de “Meio estreito”, de Roberto Menezes, ou do conto Jogo do biscoito, do livro “O segundo cu”, de Natália Nodari.
Em Mandíbula, as descobertas são compartilhadas por mulheres, colegiais, meninas em fase de ebulição hormonal.
E isso muda toda a compreensão.
Tenho muito mais a falar, isso é só um gostinho.
No encontro do Clube, teremos uma hora e meia para destrinchar a Mandíbula.
Estou na página sessenta e pouco. Perturbador. Estou gostando 🖤
Perturbador já fala minha língua, fiquei curioso para ver como esse mundo ficional se desdobra...